domingo, 9 de novembro de 2008


Apenas um cigarro

As palavras são as mesmas
mas deixei de saber o tempo
para chegar a ti
durante meses e meses
tinha perdido o hábito
as histórias que de noite sonhas
o evidente esplendor que depois
não tomou nenhuma forma

que razão é a deste amor
que tanto se confunde
com o medo

não dizias nada
tinhas de repente uma pressa desesperada
como quem do mundo inteiro
pretendesse apenas
um cigarro


José Tolentino Mendonça

Apenas um corpo

Respira. Um corpo horizontal,
tangível, respira.
Um corpo nu, divino,
respira, ondula, infatigável.

Amorosamente toco o que resta dos deuses.
As mãos seguem a inclinação
De peito e tremem,
pesadas de desejo.

Um rio inteiro aguarda.
Aguarda um relâmpago,
Um raio de sol,
Outro corpo.

Se encosto o ouvido à sua nudez,
uma música sobe,
ergue-se do sangue,
prolonga outra música.

Um novo corpo nasce,
nasce dessa música que não cessa,
desse bosque rumoroso de luz,
debaixo de meu corpo desvelado.


Eugénio de Andrade